Esta página tem por finalidade colocar à disposição dos meus alunos da Escola Teológica Rev. Celso Lopes o material referente às aulas da matéria título do blog.
sexta-feira, 28 de setembro de 2007
Aula 7 - A ortodoxia reformada
“A eleição é o propósito imutável de Deus, mediante o qual, antes da fundação do mundo e por pura graça, escolheu dentre toda a raça humana... a certo número de pessoas a serem redimidas em Cristo”. Sínodo de Dordrecht
Durante o século dezessete, a tradição reformada estabeleceu o que a partir de então seria sua ortodoxia. Isto se deu em duas assembléias solenes, cujos pronunciamentos foram vistos como a mais fiel expressão do calvinismo. Essas duas reuniões foram: o Sínodo de Dordrecht e a Assembleia de Westminster.
A Controvérsia Arminiana e o Sínodo de Dordrecht
Jacob Armínio era um distinto pastor e professor holandês, cuja formação teológica havia sido profundamente calvinista. De fato, boa parte de seus estudos ocorreram em Genebra, sob a direção de Teodoro de Beza, o sucessor de Calvino naquela cidade. Voltando à Holanda, ocupou um importante púlpito em Amsterdam e logo sua fama se tornou grande.
Devido a essa fama e a seu prestígio como estudioso da Bíblia e da teologia, os dirigentes da igreja de Amsterdam lhe pediram que refutasse as opiniões do teólogo Dirck Koornhert, que havia atacado algumas das doutrinas calvinistas, particularmente, no que se referia à predestinação. Com o propósito de refutar a Koornhert, Armínio estudou seus escritos e dedicou-se a compará-los com as Escrituras, com a teologia dos primeiros séculos da igreja e com vários dos principais teólogos protestantes.
Por fim, depois de profundas lutas de consciência, chegou à conclusão de que Koornhert tinha razão. Posto que em 1603 Armínio tornou-se professor de teologia da Universida¬de de Leyden, suas opiniões foram publicamente reveladas. Um colega da mesma universidade, Francisco Gomaro, era partidário extremista da predestinação e, portanto, o conflito era inevitável. Foi assim que Jacob Armínio, calvinista de boa qualidade, deu nome à doutrina que, a partir daí, seria vista como a antítese do calvinismo, o arminianismo.
O principal ponto de desacordo entre Armínio e Gomaro não era se havia ou não predestinação. Ambos concordavam que as Escrituras falam de "predestinação". O que se debatia era mais a base dessa predestinação. Segundo Armínio, Deus predestinou aos eleitos porque sabia, de antemão, que teriam fé em Jesus Cristo. Segundo Gomaro, Deus predestinou a alguns a terem essa fé. Antes da criação do mundo, a vontade soberana de Deus determinou quem se salvaria e quem não. Armínio, por sua vez, deduzia que o grande decreto da predestinação era a determinação que Jesus Cristo seria o mediador entre Deus e os seres humanos. Esse era um decreto soberano, que não dependia da resposta humana. O decreto referente ao destino de cada indivíduo baseava-se não na vontade soberana de Deus, mas em seu conhecimento, o qual seria a resposta de cada pessoa ao oferecimento da salvação em Jesus Cristo.
Em quase tudo mais, Armínio continuava calvinista. Sua doutrina da igreja e dos sacramentos, por exemplo, seguia as linhas gerais de Calvino. Portanto, ainda que, por fim, foram os opositores de Armínio os que tomaram para si o nome de "calvinistas", o fato é que toda a controvérsia aconteceu entre os seguidores de Calvino.
Armínio morreu em 1609, mas o conflito não terminou com sua morte. Seu sucessor na cátedra de Leyden sustentava as mesmas opiniões e continuou a controvérsia com Gomaro.
Às questões teológicas se somaram os interesses políticos e económicos. Todavia, debatia-se entre os holandeses qual deveria ser sua relação com a Espanha. A classe mercantil, que constituía uma verdadeira oligarquia, tinha interesse em manter boas relações com a Espanha, a qual contribuía com o comércio.
Frente a isso, o clero calvinista sustentava que tais relações corromperiam a pureza doutrinária da igreja holandesa. Os que não participavam da prosperidade trazida pelo comércio eram, por assim dizer, as classes médias e baixas, embuídas de patriotismo, de calvinismo e de ressentimento contra os mercadores e que opunham-se a tais relacionamentos. Logo, a oligarquia fixou-se no grupo dos arminianos, e os seus opositores adotaram as teses de Gomaro.
Em 1610, o partido arminiano, produziu um documento de protesto, o Remonstrantia, em virtude do qual, a partir de então, deu-se-lhes o nome de "remonstrantes". Esse docu¬mento incluía cinco artigos que tratavam sobre as principais questões em disputa.
O primeiro artigo define a predestinação em termos diferentes, pois declara que Deus determinou, antes da fundação do mundo, que os que se salvariam seriam os que cressem em Cristo. Não está claro se isso quer dizer, como havia ensinado Armínio, que Deus sabia quem haveria de crer e predestinou essas pessoas, ou se queria dizer, simplesmente, que Deus determinou a quem quer que cresse, que seria salvo (o que depois se chamou "o decreto aberto da predestinação"). Em todo caso, o parágrafo da Remonstrantia declara que isto é tudo o que se requer para a salvação, que "não é necessário, nem proveitoso elevar mais alto, nem penetrar mais profundamente". Portanto, a especulação acerca da causa do decreto da predestinação deve ser refutada.
O segundo artigo afirma que Jesus Cristo morreu por todos os seres humanos, mesmo que só os crentes recebam os benefícios de sua paixão.
O terceiro trata de rejeitar a acusação do pelagianismo de que os gomaristas faziam objeção aos arminianos. — O aluno recordará que o pelagianismo foi a doutrina a que se opôs Santo Agostinho, afirmando que o ser humano era capaz de fazer o bem por suas próprias forças. — Por isso declara que o ser humano nada de bom pode fazer por suas próprias forças e que requer a graça de Deus para poder fazer o bem.
Entretanto o quarto artigo rebate a conclusão que tanto Agostinho como Calvino e Gomaro tiravam dessa doutrina, isto é, que a graça é irresistível. "No que se refere ao modo de operação desta graça, não é irresistível, posto que está escrito que muitos resistiriam ao Espírito Santo".
Por último, o quinto artigo trata a respeito dos que creram em Jesus Cristo, se podem perder a graça ou não. Sobre isso, os gomaristas declaravam que a força da predestinação é tal que, os que foram predestinados a crer não podem perder a graça. A resposta dos arminianos neste ponto não é categórica, mas dizem, simplesmente, que é necessário que se lhes dêem melhores provas das Escrituras, antes que estejam dispostos a ensinar uma coisa ou outra.
Uns poucos anos mais tarde, as circunstâncias políticas trabalharam drasticamente entre os arminianos. O príncipe Maurício de Nassau que, durante algum tempo não havia interferi¬do na disputa, tornou o partido dos calvinistas estritos. Johann van Oldenbarnevelt, o Barnevelt, que tinha dirigido o país nas negociações de uma trégua com a Espanha, e era partidário dos arminianos, foi encarcerado. Seu amigo, Hugo Grocio, um dos fundadores do direito internacional moderno, também foi aprisionado. Como parte dessa reação contra o partido mercantilista e contra o arminianismo, os estados gerais holandeses convocaram uma grande assembléia eclesiástica.
Essa assembléia, que se conhece como "Sínodo de Dordrecht", reuniu-se desde novembro de 1618 até maio de 1619. O propósito dos estados gerais ao convocá-lo foi conseguir o apoio não somente dos calvinistas no país, mas também dos do resto da Europa. Por isso estenderam convites a outras igrejas reformadas, e um total de vinte e sete delegados apresentaram-se, desde a Grã-Bretanha, Suíça e Alemanha (os franceses não puderam assistir porque Luís XIII os proibiu). Os holandeses eram quase setenta, dos quais aproximadamente a metade eram ministros e professores de teologia, a quarta parte anciãos leigos e o resto membros dos Estados Gerais.
As primeiras sessões do Sínodo trataram de diversos assuntos administrativos. Decretaram que se produziria uma nova tradução da Bíblia em holandês. Mas o propósito principal da Assembléia era condenar o arminianismo para, desse modo, conseguir o apoio do resto das igrejas reformadas nas brigas internas que dividiam a Holanda. Portanto, os decretos do Sínodo de Dordrecht, no que se refere a teologia, eram dirigidos contra os arminianos. Ainda que a assembléia não tenha aceito as teses mais extremas de Gomaro (que era um dos seus membros), concordou com ele na necessidade de condenar o arminianismo.
Os Cânones do Sínodo de Dordrecht promulgaram cinco doutrinas contra os arminianos e, a partir daí, essas doutrinas se fizeram parte fundamental do calvinismo ortodoxo.
A primeira dessas doutrinas é a da eleição incondicional. Isso queria dizer que a eleição dos predestinados não se basea¬va no conhecimento que Deus tem do modo pelo qual cada um responderá ao oferecimento da salvação, senão unicamente no inescrutável beneplácito divino. O segundo dos princípios de Dordrecht afirma a limitada expiação. Os arminianos afirmavam que Jesus Cristo havia morrido por todo o gênero humano. Frente a eles, o Sínodo de Dordrecht declarou: ainda que o sacrifício de Cristo seja suficiente para toda a humanidade, Jesus Cristo morreu para salvar unicamente os eleitos.
Em terceiro lugar, Dordrecht ainda afirmou que, embora reste no ser humano caído certo vestígio de luz natural, sua natureza foi corrompida de tal modo que essa luz não pode ser usada corretamente. Isto é certo, não somente ao que se refere ao conhecimento de Deus e à conversão, mas também no que se refere às coisas "civis" e "naturais". A quarta doutrina fundamental de Dordrecht é a da graça irresistível, a que já nos referimos anteriormente. Por último, o Sínodo afirmou a perseverança dos santos, ou seja, a doutrina segundo a qual os eleitos têm de perseverar na graça. Embora isto não seja obra sua, senão de Deus, servirá para dar-lhes confiança em sua salvação, firmeza no bem, ainda que vejam o poder do pecado atuando neles.
Imediatamente, depois do Sínodo de Dordrecht, tomaram-se medidas contra os arminianos e seus partidários. Van Oldenbarnevelt foi executado e Hugo Grocio foi condenado à prisão perpétua — pouco depois, graças ao auxílio de sua esposa, conseguiu escapar escondido em um baú, supostamente cheio de livros. Quase uma centena de ministros de conviccões arminianas foi desterrada, e outros tantos foram privados de seus púlpitos. Os que insistiram em continuar pregando foram condenados a prisão perpétua.
Os leigos que assistiam aos cultos arminianos corriam o perigo de terem que pagar pesadas multas. Para assegurar-se de que os mestres não ensinavam doutrinas arminianas, a eles também se exigiu aceitar formalmente as decisões de Dordrecht. Em alguns lugares chegou-se a exigir dos organistas uma decisão semelhante. Conta-se que um deles comentou que não sabia como tocar no órgão os cânones de Dordrecht.
Maurício de Nassau morreu em 1625. A partir daí, acalmaram-se os rigores contra os arminianos, até que se começou a tolerá-los oficialmente em 1631. Logo organizaram suas próprias congregações, que subsistem até hoje. Mas o principal impacto do arminianismo não ocorreu através dessas igrejas holandesas senão por meio de outros grupos e movimentos (particularmente o metodismo), que abraçaram alguns de seus princípios.
A Confissão de Westminster
Ao tratar da Revolução Puritana, narramos os sucessos que levaram à convocação da Assembléia de Westminster e dissemos algo acerca das decisões desse corpo e do seu impacto no curso dos acontecimentos na Grã-Bretanha. Também mencionamos a Confissão de Westminster, produzida por essa assembléia em 1647. Todavia, deixamos toda discussão do conteúdo teológico desse documento para a presente aula, onde o veremos como o segundo exemplo do espírito da ortodoxia calvinista.
A Confissão de Westminster é muito mais longa que os cânones de Dordrecht, pois nela trata-se de muitos temas distintos. O primeiro capítulo aborda a questão da autoridade das Escrituras, que são o "juiz supremo" em toda controvérsia religiosa. Posto que nem toda a Bíblia é igualmente clara, "a regra infalível para a interpretação da Escritura é a Escritura mesmo", o que quer dizer que os textos obscuros devem ser interpretados à luz dos mais claros. Depois de expor a doutrina da Trindade, a Confissão passa a discutir "o decreto eterno de Deus" e começa afirmando que, desde a eternidade, Deus tinha determinado tudo quanto havia de suceder. Parte desse decreto diz que alguns seres humanos e alguns anjos foram predestinados para a vida eterna e outros para a morte eterna. Ainda mais, isto não se baseia de modo algum em que Deus sabia ou previra quem haveria de atuar de uma ou de outra maneira.
Igualmente ao sínodo de Dordrecht, a Confissão de Westminster afirma que parte do resultado do pecado de Adão é: "esta corrupção original, que nos faz incapazes e inaptos e contrários a todo bem, inclinando-nos completamente para todo o mal". Afirma também a doutrina da expiação limitada ao declarar que Cristo salva a todos aqueles cuja redenção obteve. Depois do pecado, o ser humano perdeu toda liberdade de inclinar-se para a salvação e, portanto, este é o resultado do "chamado eficaz" mediante o qual Deus trabalha nos eleitos e "determina suas vontades para o bem". Esses eleitos são justificados quando o Espírito Santo, no momento propício, lhes aplica a obra de Cristo. A isto segue a santificação que, apesar de imperfeita nesta vida, é sem dúvida inevitável, pois a força santificadora do Espírito Santo prevalece nos predestinados. Tais pessoas "não podem cair do estado de graça de modo total nem final, mas, certamente, perseverarão nele e serão eternamente salvas".
Segue-se a isso, uma longa série de capítulos acerca das questões que se debatiam na Inglaterra durante o período da revolução puritana, tais como o modo de guardar o dia do Senhor, se era legítimo prestar juramento, como devia organizar-se a igreja, e outros temas. Porém, o que nos importa aqui é mostrar o acordo entre a Confissão de Westminster e os cânones de Dordrecht, pois estes dois documentos são os pilares da ortodoxia calvinista a partir do século dezessete.
O que antecede basta para mostrar o espírito e o conteúdo da ortodoxia calvinista dos séculos dezessete e dezoito. Di¬zendo ser fiel intérprete de Calvino, centralizava toda sua atenção sobre a doutrina da predestinação e outras questões relacionadas com ela, como o livre arbítrio, a graça irresistível, a depravação total do gênero humano e a perseverança dos santos. Desse modo, fazia da teologia do reformador de Genebra, um sistema rígido que o próprio Calvino, quem sabe, não teria reconhecido. Calvino havia descoberto em sua própria experiência o gozo liberador da justificação pela graça imerecida de Deus. Para ele, a doutrina da predestinação era um modo de expressar esse gozo e esse caráter imerecido da salvação. Mas em mãos de seus seguidores, tornou-se prova da ortodoxia e até do favor divino. Quase poderia se dizer, sem exagerar, que os calvinistas posteriores chegaram a confundir a dúvida acerca da predestinação com o fato de ser condenado.
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Quem sou eu
- Pastor Pedro
- Sou pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, mestrando em Divindade (Magister Divinity), pelo CPAJ (Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper). Sou também professor de História da Igreja, de Introdução Bíblica, e Cartas Gerais, na Escola Teológica Rev. Celso Lopes, em Maceió AL. Além disso, sou coronel-aviador da Força Aérea Brasileira, já reformado.
2 comentários:
Que Deus continue abençoando seu trabalho e nos edificando com seus post Fica Na Paz!!!!
faculdade evangelica
Parabéns por esse blog! eu sou fascinado por teologia histórica! È muito gostoso estuda sobre história da igreja, principalmente a ortodoxia reformada
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